Idealizado em 2009 pela professora Valéria Marcondes, 61 anos, o projeto Vamos ao Cinema começou com o objetivo de promover o acesso de alunos da escola pública a sessões cinematográficas, com direito a pipoca e refrigerante, e fomentar o debate de temas sociais entre eles. “O cinema naquela época não algo acessível para os jovens da periferia, que moram em regiões de vulnerabilidade, como Ceilândia, Sobradinho e Recanto das Emas”, diz Valéria.
Por falta de verba, o projeto ficou parado de 2012 a 2018 e retornou, em 2019, reformulado, com patrocínio da Oi e apoio do Instituto Oi Futuro de 390 mil, para uma equipe de 30 pessoas que atuam durante todo o ano letivo. Além de levar os alunos duas vezes por ano a sessões de cinema, o Vamos ao Cinema oferece oficinas de audiovisual, com aulas que vão desde história do cinema até questões técnicas, como iluminação, roteirização e gravação, que auxiliam os alunos na produção de curta metragens durante o ano letivo.
Hoje, o projeto é realizado pela VêCultura, em parceria com o Jovem de Expressão, a Escola 2030, o projeto de Extensão UnB 2030 e a Plongé Fotografia. As escolas que desejam participar do programa no próximo ano devem acessar o site e entrar em uma fila de espera.
O intuito do projeto é “produzir transformação social por meio do audiovisual”, de acordo a idealizadora Valéria Marcondes. “É interessante, porque os alunos comunicam a realidade social por meio dos curtas. No fim, temos a produção de um cinema de impacto, com temas como a valorização do feminino, homofobia, dificuldades sociais da periferia e autoestima da mulher”, explica.
Devido ao sucesso, o projeto faz parte, atualmente, do itinerário formativo do novo ensino médio nas quatro escolas em que é ministrado, para um total de 272 alunos — Centro Educacional 310 de Santa Maria, Centro de Ensino Médio Integrado à Educação Profissional e Técnica do Gama, Centro Educacional 01 do Itapoã e Centro Educacional Darcy Ribeiro do Itapuã.
“Percebo uma juventude lúcida, muito consciente da realidade, com voz e vontade de falar. A melhor parte é ver a felicidade dos alunos ao fim do ano letivo. Eles saem realmente apropriados da comunicação, felizes e empoderados”, considera Valéria Marcondes.
A professora Margareth de Brito Alves, 45, do CED 310 de Santa Maria, afirma que, durante a produção dos curtas, os alunos são os protagonistas ativos de todo o processo. “Esse projeto abre portas para os alunos. Além dos conhecimentos técnicos, eles têm, ainda, a possibilidade de acessar espaços que as pessoas da periferia normalmente não acessam”, realça.
Além do projeto Vamos ao Cinema, a professora, que atualmente trabalha na biblioteca da escola, já coordenou outros projetos, como o 365 dias de consciência negra, com rodas de conversas voltadas a uma educação antirracista.
Produção dos curtas
Os curtas produzidos pelos alunos podem, ainda, concorrer a premiações nacionais, como o curta Garota Espirro, que levou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Curtas das Escolas Públicas do Distrito Federal, e o Um conto que não é só meu, que ganhou o prêmio de melhor atriz no Curta 5 – Festival Estudantil de Curtas, na Bahia, ambos em 2019. No mesmo ano, o curta Zumbalão chegou a ser indicado para o Festival Wirksworth, no Reino Unido, e para o Short+Sweet, na Nova Zelândia.
O curta Flores da Escola, também foi gerado por meio do projeto Vamos ao Cinema. Produzido pelos alunos do CED 310 de Santa Maria no primeiro semestre letivo, o filme aborda a autoestima feminina na escola e mostra uma iniciativa da direção do estabelecimento de disponibilizar absorventes e uma “caixa confidencial”, na qual as alunas podem depositar bilhetes se estiverem precisando de ajuda.
Maxwel Ferreira Sousa, de 17 anos, é um dos alunos que participa do projeto Vamos ao Cinema, em Santa Maria. Atualmente no 2º ano, ele relata que o projeto lhe deu liberdade para atuar na produção, despertando-lhe o interesse em seguir no audiovisual. “No primeiro semestre produzimos um curta sobre o drama da mulher e sobre o que o banheiro humanizado na escola representa para elas. Alguns processos da produção foram difíceis, mas foi incrível participar”, disse Maxwel, que foi roteirista e diretor de filmagem. “Nos sentimos representados e como protagonistas das histórias que produzimos”, conclui.
Para Agnaldo Vera dos Santos Junior, 16, aluno do CEMI do Gama, o projeto é uma alternativa mais dinâmica às matérias comuns da grade curricular. Engajado na iniciativa, Agnaldo está produzindo um curta sobre o rap com os colegas. “Sempre gostei muito do rap por tudo que o gênero representa, além de ser um dos meios de expressão mais representativos da periferia”, afirma. Além do gosto pelo gênero musical, o estudante se sentiu conectado com o tema pelo fato de compor poesias e poemas. “Uma pena que ainda exista muita discriminação”, lamenta.